segunda-feira, setembro 01, 2008

O ROUBO - SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEPÇÃO POLÍTICA


13 de Novembro de 1983. A descrente Selecção Nacional de Futebol recebia na Luz a sua congénere da então URSS, no derradeiro jogo de apuramento para a fase final do Euro gaulês de 84. A vitória era o único resultado que permitia à "Lusa" respirar os ares de futebol de alto nível que caracterizariam o dito firmamento europeu. O oponente, nada mais nada menos que a grande potência do bloco de Leste, o estandarte do futebol frio e geométrico. Fernando Chalana, o pequeno genial, recebe a bola na linha média. Uma mudança de velocidade, um primeiro adversário para atrás, um segundo nas covas e prepara-se para entrar na àrea de rigor. Acção esta impedida por Demianenko que, bem antes da grande área, inteligentemente derruba o pequeno extremo de bigode raçudo, impedindo a sua progressão até à cara do lendário Renato Dassaev. O árbitro? Fez soar o apito e aponta imediatamente para a marca de grande penalidade. Erro crasso. Grosseiro. Nada que impedisse Jordão, o avançado que se tornou pintor, de pintar a guache na tela do Futebol Luso a conversão do respectivo castigo máximo, atirando a valer. Largos minutos de futebol caído no esquecimento depois, o soar do último apito e o retomar da História feita de inolvidáveis recordações: Portugal batia a URSS por uma bola a zero e conquistava o inédito carimbo no passaporte do apuramento para a fase final do Europeu. E as lágrimas de comoção, de euforia e êxtase, iriam camuflar para todo o sempre um facto até então recorrente: o de que a URSS, sempre que disputava algo no Ocidente, era roubada e vilipendiada até mais não...
Assim era o futebol europeu então. Fiel ao cenário político da época em que um muro dividia o Leste do Ocidente, em que a guerra era fria. Havia o futebol capitalista e o futebol socialista. Mas, meia dúzia de anos após, essa guerra congelou, e o muro, feito de pedra, passou a ser de linho até inexistir. Em 89, caiu o muro e com ele a URSS. Deu-se o desmembramento das suas Repúblicas e a concepção política mudou. A URSS deixou de ser roubada porque deixou de existir. E o futebol passou a ser, assim, um mero dado histórico na construção da política internacional, autonomizando-se. Ou talvez não...
Pelo menos, se assim o foi, então foi até 27 de Agosto de 2008, a data da confirmação de que o descrito no último parágrafo talvez nunca tenha, afinal, acontecido. O que mudou foi a concepção política da coisa: hoje, a questão não está no binómio capitalismo/socialismo; deu o seu lugar a outro, o binómio ricos/pobres. Sem passar a borracha pelo roubo épico, colossal e magistralmente orquestrado na gélida noite de S. Petersburgo (lá está, o Leste!), veio, no minuto 87 do confronto de 27/08 último, a confirmação do poder dos interesses com o roubo gritante, estrondoso e hollywoodesco de Basileia. Juntando o facto de tudo ter acontecido na Suiça, com o seu multiculturalismo e neutralidade política, eleva ainda mais o cinismo da questão. E a vítima foi sempre a mesma, o parente pobre... O que, apesar de extemporaneidade do mesmo, me leva ainda hoje a tocar neste assunto. Talvez eu não seja suficientemente forte para me resignar perante tamanha atrocidade. Mas, aproximadamente 100 horas após, continuo convicto de que preferia ter sido vítima de uma situação de car-jacking ou de estar, à hora errada, na fila do Banco aquando a entrada de meia dúzia de encapuçados a disparar tiros de AK47 no tecto. Tenho a plena noção de que me foram ao bolso e me subtrairam, inapelavelmente, a carteira. Tudo ao vivo, diante de milhões de pessoas. Digo assim ao Sr. Hans Ten Hoove, da Holanda, que pode ficar com o dinheiro, com os meus 5 milhões da mesada. Pelo menos devolva-me os documentos. Fazem sempre falta e pode até ser que eu recupere alguma da identidade que perdi na fatídica noite de 27 de Agosto último, na multicultural e politicamente neutral Suiça...
Aquele abraço,
PÉRICLES

1 comentário:

  1. A questão é k o futebol é dinheiro e em 84 o Euro era em frança...logo era de todo o interesse Portugal lá estar...

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