quinta-feira, abril 20, 2006

DA ESPLANADA DO MILENÁRIO



Em cima: Antonin Panenka, ostentando o que melhor conhecia: títulos...
Em baixo: Um memorável penalti, hoje e sempre, a foto para a posteridade...
Sepp Meier? Esse... estava batido!



DE PANENKA A "TUNENKA" - UM MEMORÁVEL PENALTI OU ALGO MAIS?
por: Péricles, detonador de bohemias
Estimado leitor, um curriqueiro bem-haja!
Ano de 1948. Em época de pós-guerra, conturbada, de incerteza constante, um ano que viria a fornecer acontecimentos de importância decisiva no desenrolar da História Contemporanea Mundial: da Assembleia da ONU emana a Declaração Universal dos Direitos do Homem; é criada a OMS; o Estado de Israel torna-se independente. Na extinta Checoslováquia, o Partido Comunista checo assume o poder. Enfim, poderia enumerar um extenso elenco de factos marcantes da Sociedade Internacional ocorridos a esta data, contudo, e porque vejo no meu ilustre leitor um homem bem formado, não o farei. Simplesmente, cumpre-me estatuir que todos estes acontecimentos são consequência de outros não menos importantes e causa de outros não menos marcantes: todos fazem parte desse novelo que constitui a Sociedade Internacional e todos integram uma sequência de acontecimentos que moldariam o Mundo na segunda metade do Século XX, como a queda do Muro, a criação da C.E.E., o aparecimento do box-to-box ou a ida do Homem à Lua. Todavia, ignoramos por vezes que os pequenos acontecimentos tornam-se tão ou mais mágicos que os acontecimentos mais sonantes, que nos proporcionam momentos inesquecíveis. O encanto das pequenas coisas... E ao 2º dia do mês de Dezembro de 1948 o comum dos mortais não seria capaz de descortinar o aparecimento do homem criador da "8ª arte". Nascia, em Praga, ANTONIN PANENKA!
Folheando o meu arquivo pessoal, emerge uma característica bastante peculiar quando analisamos o seu percurso, nada mais nada menos que uma grandiosa lealdade. Excepção feita às suas passagens pelo Rapid Vienna (1981-85) e St. Polten (1985-87), ambos da Áustria, e já no declínio da sua carreira, Panenka dedicou larga parte da sua vida ao clube do seu coração, o Prague Bohemians (1959-81). Não estamos, portanto, perante um exemplo de "prostituta futebolística" como Abel Xavier ou Vítor Vieira. Nem o seu palmarés permite encher a Sala Oval ou Museu dos Coches. Contudo, e se não nos esquecermos que os troféus são vencidos por clubes, as lendas vivas são as individualidades que se destacam na obtenção desses mesmos títulos, que não se apagam das nossas memórias enchendo-as de sonhos. E na minha memória continua bem vivo aquele Campeonato da Europa em 76...
Campeonato da Europa de 1976. A Jugoslávia recebia de braços abertos esta "passerelle" do futebol europeu. Na final, defrontavam-se a ex-R.F.A. diante da então poderosa Checoslováquia. No final do tempo regulamentar, um empate a duas bolas, resultado que se iria manter no final do prolongamento. Ou seja, estavamos perante o primeiro desempate por grandes penalidades numa final do Europeu. A disputa era de tal modo acesa que todos os executantes "teimavam" em converter as grandes penalidades até à 4ª da Alemanha Ocidental, desperdiçada por Uli Hoeness. 4-3 no marcador a favor da Checoslováquia! Se convertesse a próxima grande penalidade, a Checoslováquia sagrar-se-ia campeã da Europa... Avança para a grande área Panenka, um médio-ofensivo especialista em bolas paradas e conhecido pela qualidade do passe. À sua frente, nada mais nada menos que o enorme Sepp Meier, gigante das balizas... Panenka, com o seu físico esguio e com um bigode bem português, a fazer lembrar um funcionário da CP, não se amedronta... Parte para a bola e, qual ilusionista, pica suavemente o esférico, fazendo-o atravessar a pequena área numa espécie de câmara lenta, entrando de forma meiga bem no centro da baliza!!! Estava criado o sonho! Foi criada uma nova arte! E Panenka, esse pobre homem com ar de operário, era afinal um "poeta", rótulo merecido que lhe foi atribuido por um jornalista francês!!!
Recomendo (perdão Prof. Marcelo Rebelo de Sousa...) a leitura da obra do espanhol Rafael Gonzalez, "El penalty de Panenka". E, mais fidedigno que o meu testemunho, proporciono ao meu estimado leitor as palavras de Rei Pelé: "Aquele penalti irrepreensível que marcou Panenka na final da Copa da Europa de 76 só podia ser obra de um génio ou de um louco...". Acredito! Acredito que Panenka fosse um génio. Acredito que Panenka fosse um louco. Até creio que fosse ambas! Mas sei que aquele penalti inspirou gerações vindouras! Sei que aquele penalti foi o surgimento do "futebol sinfónico". E também sei que Panenka foi mais que um memorável penalti... Panenka foi um modo de vida. Uma forma de estar, de encarar a vida. E a sua influência atingiu o nosso país futebolístico com dimensões que o meu fiel leitor não consegue imaginar... Senão vejamos...
Consciente da subjectividade das opiniões, arrisco dizer que Panenka exerce enorme influência no seio do nosso futebol conquistando a elite das diferentes camadas que compõem a estratosfera da bola. Trocando por miúdos, Panenka viria a influenciar jogadores de eleição, treinadores de renome e relatadores de prestígio. Não! Não quero referir que toda a gente desatou a converter penalidades "à Panenka". O que ressalta é outra particularidade deste mago de Leste. Assim, vemos emergir durante a década de 80 o "bigode à panenka":
Carlos Manuel, ou simplesmente "Carlão"! Autor da "charutada" de Estugarda no apuramento para o México 86. Um momento de oiro, logo, um momento "à Panenka"...
Artur Jorge ou "Rei Artur". Campeão europeu como treinador. Teve o "mérito" de destruir por completo uma equipa campeã, transformando-a numa equipa sem a menor identidade ou chama. Um momento alto, logo, um momento " à Panenka"...
Rui Tovar. Relatador nato, destacou-se no mundo desportivo português pelos seus relatos monocórdicos. A colocação da voz em tons eminentemente graves proporcionou-nos a audição de alguns golos como verdadeiros momentos "à Panenka"...
E dei por mim, estava sozinho no De Kuip de Lordelo... Isso mesmo, meu caro leitor! Toda esta crónica não passa de um sonho... Passo a explicar. Este obreiro do futebol-magia, este jogador "à Quinito" irrompeu na minha memória quando, em 2004, assistia in loco ao sempre escaldante Lordelo-Piratas de Creixomil. Era a época dourada da Associação Cultural e Recreativa de Lordelo. O jogo corria ao ritmo a que sempre me habituou: frenético! Nos últimos cartuchos, o marcador registava um emotivo 4-4. Subitamente, Tuni é rasteirado na área e... PENALTI!!! Todos se esquivavam da marcação do castigo máximo quando, repentinamente, aquela voz confiante profere o seguinte: "Eu marco!"... Era o pequeno Tuni! O suspense pairava no De Kuip... Tuni acaricia a bola como se de um filho seu se tratasse... Da um beijo no esférico... Recua 3 passos... Parte para a bola e... ETERNIZA O "PENALTI À PANENKA"!!! Memorável, majestoso, divinal!!! Hélder Postiga e o seu penalti no Euro 2004 cairia definitivamente no esquecimento. E daí em diante foi ver o pequeno grande Tuni, com um copo e uma garrafa de maduro tinto, converter sucessivos penaltis. Grandes palcos como Porta Larga Séc. XXI e Giuzefa Meazza não se cansarão de ouvir: "O quê, Lazaro? Tuni rasteirado? E é Penalti!!! Tunenka atira... e já está!!!"
Aquele abraço,
PÉRICLES

3 comentários:

  1. Obrigado meu caro pericles que regresso...:). Demonstras outra vez, caso fosse necessario, como és o mestre das comparações, senhor de um enorme poder argumentativo e trabalho de pesquisa muito apurado. Continuando todavia a demonstrar, como todos os grandes artistas ou armados em..., pouca atenção para com o seu fiel leitor. Convém salientar que a meu ver, todos nós temos um panenka capaz de encarar desafios que se apresentam dificeis de ultrapassar, que na altura das grandes decisões não nos resta outra solução que não seja, caso sejamos rasteirados, de atirar e.....já está. Devendo aqui salientar a inigualável capacidade finalizadora, sem deixar "pingar", desse nome grande da tasca vimaranense, Tuni quem mais!!!! Não tendo nada a ver com o tuni, nem com este post, mas ontem tive uma imagem que me deixou preplexo que quero compartilhar, estava eu na oliveira na hora sagrada de almoço, quando pela minha frente passa nem mais do que, "O Homem do Bombo" completamente sóbrio q imagem!!! quem não se lembra daquela figura de bigode acompanhado de concertina, meu caro pericles e turcos, também ele é um digno sucessor de panenka Bem haja

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  2. Monumental...que saudades caro Péricles! Vens tarde, mas chegas com grande crónica, e para matar curiosidades o penalty á Tunenka, foi em Fafe, num jogo entre Nuno Alvares- Fundação Jorge Antunes, em jogo amigável, pois jamais no futsal esse penalty poderia ser marcado dessa maneira num jogo a doer, pois correria o risco de cair em ridículo perante qualquer plateia, enfim, um dia talvez tente outra vez. Quantos aos "flamigerados" penaltes turcos por mim convertidos, esses sim, são de louvar, mas devo dizer que tu caro Péricles, és um exímio marcador de penaltes, havendo também na nossa legião turca um naipe vasto de bons marcadores, shala oh...

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  3. Se é pra ser sempre assim, que o homem escreva uma vez por semestre. Divinal, Péricles...

    Parabéns.

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