Ouvi dizer que...

UMA LIÇÃO DE VIDA

Mantorras é a pérola do universo benfiquista. Desde há muito. São assim quase todos os meninos com histórias de vida difícil. Só faltou compararem-no ao menino azul. Órfão relativamente cedo, teve nos ombros a responsabilidade de guardar os irmãos caçulas. Pedro Torres fez-se homem forçosamente antes do tempo. Ouvi dizer que desembarcou em Barcelona para prestar provas no clube catalão. Versão que nunca se confirmou. Outras histórias contam que o jovem Torres ajudou, e de que maneira, na construção da Expo 92 em Sevilha. Contava ainda o pobre miúdo uns tenros 20 aninhos. Consta-se que Mantorras deu cartas. Tanto é que, nos ano sequentes, foi repescado para prestar auxílio no crescimento do emaranhado de edificios da linda Alverca. Pelo meio dava uns biqueiros na bola juntamente com Deco, Caju, Milinkovic e Maniche. Em 1996, e já madurinho na idade, conhece o Rei dos pneus. Luis Filipe Vieira, bigode farfalhudo e parolo como poucos, fica entusiasmado com a história do menino. Suplica-lhe que abandone a massa e os tijolos e inscreve-o, ainda como junior, no Alverca SAD. Mantorras larga aquilo em que realmente se apresenta como um fenómeno e aventura-se no futebol. Dono de um físico impressionante, nado e criado com sacos de cimento no lombo, explode quando derrete André Cruz num célebre jogo com o Sporting. Muito se falou da falta de pernas do brasileiro mas hoje percebe-se que a luta não era assim tão desigual. A avaliar, somente, pela idade... O Benfica contrata-o, inexplicavelmente. Tratando-se de um atleta em final de carreira, nunca se percebeu tão avultado investimento. Encantou, na primeira meia hora de águia ao peito, os seis milhões (ou serão quinze?) de apaniguados lampiões. Logo foi catalogado como o senhor 18 milhões (em moeda antiga) . Segue-se o festival de lesões no joelho, às quais não é alheia a veterania do avançado. Mantorras luta desenfreadamente para regressar e consegue-o. Não volta a correr. Manca e, quando muito, galopa. Consegue suscitar no público da Luz reacções só vistas em hospitais psiquiátricos. Em 2006 pendura as botas. Perto dos 40 anos, Pedro Manuel volta para os seus legos de eleição. De onde, aliás, nunca deveria ter saído.