quarta-feira, maio 24, 2006

DA ESPLANADA DO MILENÁRIO - NOVA ERA



UM FIM-DE-SEMANA NO CAMPO OU MAIS UM FIM-DE-SEMANA SEM O CAMPOS? A VERACIDADE DE UMA E OUTRA
por: Péricles, pichichi
Estimado leitor, um renovado bem-haja!
Agastado e saturado da azáfama citadina, no fim-de-semana transacto decidi armar-me de malas e bagagens e escapar do meio urbano. O meu destino seria aquele que, as mais das vezes, é por mim esquecido, pois todos possuimos a incapacidade de valorizar aquilo que temos... Assim, o meu destino foi o campo, mais precisamente, a herdade que herdei de família. Uma vez lá chegado ganhei logo um outro ânimo, um outro fôlego. Através da varanda eu avistava aquele imenso campo verde e sentia-me bem, muito bem aliás...
As horas passavam e eu permanecia ali, impávido e sereno. Sempre estático, pensei que aquela seria das melhores imagens que teria alguma vez na vida. E prontamente comecei a estabelecer o paralelo com outros momentos, com outras imagens que me sucederam ao longo da minha existência e que me prenderam de igual modo. Meu caro leitor, após esse momento, eu voltaria "a viajar" por aquele Curso de Treinador de Futebol da Associação de Futebol de Braga, em 93...
Corria o ano de 1993. Por esta data, partilhava o mesmo sonho de muitos, o de Treinador de Futebol. E na senda de prossecução dos meus sonhos, inscrevi-me num Curso de Treinador de Futebol da A. F. Braga, almejando a ser um Sven Goran Eriksson ou simplesmente tentando ser o obreiro da readaptação do "Futebol Total" de Rinus Mitchell ao futebol moderno. Em suma, o desejo do mais comum dos mortais... Cheguei bastante cedo no primeiro dia. Entrei na sala de aula onde seria leccionada a primeira aula da cadeira de "O futebol ofensivo nas equipas da segunda metade da tabela" que tinha como Mestre Mister Vítor Urbano. E o leitor que me conhece sabe que primo sempre pela descrição... Por isso, naturalmente, sentei-me na última fila, encostado à parede. Os formandos iam entrando e apresentando-se: "Olá, eu sou o Mister Dito."; "Olá, sou Mister João Eusébio.", etc., etc. A sala de aula estava agora quase repleta. Sobrava um único lugar ao meu lado. Entra o Ilustre Formador Mister Urbano com um curriqueiro "Bom dia!", ao que todos os Formandos replicaram em uníssono "Bom dia Mister Urbano!". E eis que a porta se abre... Do lado de fora surge um vulto de estatura média/baixa, em inícios de calvície. O indivíduo dirige-se ao Formador: "Dá-me licença, Mister Urbano?". "Com certeza, jovem Mister" responde o Formador. E aquele homem de ar altivo dirige-se precisamente para o único lugar disponível naquela sala, a cadeira vizinha da minha... "Olá, sou o Mister Campos" disse-me ele. "Muito prazer! Sou Mister Péricles." retorqui eu. E logo aí eu denotei que estava diante de um homem com um carisma inexcedível e desde então nutri uma enorme admiração por aquele indivíduo de estatura média/baixa com quem tive a fortuna de privar! Era parceiro de carteira de LUÍS FILIPE HIPÓLITO REIS PEDROSA CAMPOS, natural de Fão!
No seio da turma de 93, cedo Mister Campos ganhou um marcado ascendente. A sua hegemonia era tal que se tivessemos de eleger um Delegado de Turma, esse seria, sem margem para dúvidas, o Mister Campos. E foi com naturalidade que Mister Campos alcançou a admiração de todos os que frequentavam aquele curso. Lembro, como se fosse hoje, as longas tardes passadas em tertúlia nos jardins da A.F. Braga... Era ouvir as estimulantes palestras de Mister Campos, lá de cima do pequeno rochedo, enquanto que, cá em baixo, sentados na relva, todos os formandos se deleitavam. Na mente de todos os Formandos daquele curso perdurará para sempre a dissecação de temas tão pertinentes como "A ineficácia do catenaccio italiano", "A defesa - uma linha essencial no campo ou um simples pro-forma?", "O fora de jogo como regra obsoleta" ou "Os 3 médios ofensivos - a tendência do futebol moderno". Temas estes que não eram de todo debatidos... Na realidade, Mister Campos não dava hipótese. Era um tubarão argumentativo! Ao invés de desinteressantes debates, Mister Campos iria-nos proporcionar, aos que tiveram a sorte de conviver com ele naquele curso, vibrantes monólogos acerca daqueles temas e muitos outros mais. Mesmo no aspecto curricular, Mister Campos era irrepreensível. Lembro do trabalho que tinhamos que realizar individualmente na cadeira de Tácticas e Esquemas. Pessoalmente, achei que teria ali a oportunidade de transportar o "Futebol-Total" de Rinus Mitchell para os dias de então, com algumas nuances e variações. Na véspera, tremia como varas verdes... Achava-me incapaz de expôr as minhas ideias, fazer com que elas vingassem. E como todos os que se encontravam num mar de duvidas, liguei ao Mister Campos. Prontamente lhe disse: "Campos, o que é que eu faço?". E a sua resposta ainda hoje ecoa na minha mente como os sinos da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira: "Péricles, não deixes que os teus sonhos desabem como um baralho de cartas... Ressuscita o que de melhor já viste mas cria e inova em simultâneo, pois terás de ser sempre um camaleão táctico...". Dormi bem mais descansado. E no dia seguinte, após a exposição do meu tema, fui felicitado por todos. Ao fundo da sala, Campos sorria... E eu, no meu verdadeiro íntimo, estava-lhe eternamente agradecido. E soube aí que Campos iria ser um caso de enorme sucesso...
Volvido um ano, caminhos separados. No final do curso, em 94, rapidamente conclui que se enveredasse por uma carreira de treinador sucederia uma de duas coisas: ou as quatro linhas seriam demasiado pequenas para mim ou seria engolido por elas! E assim optei por um trabalho de bastidores, mais abrangente e reservado. E assim me tornei naquilo que sou hoje: um simples olheiro em torno do futebol. Mas Campos, esse, nunca poderia ser isto... Campos era um verdadeiro "animal" da bola! Era um homem de acção, de flashes e objectivas! Campos não sobrevive sem "sentir o cheiro da relva". E de forma natural, Campos ingressava no colosso Esposende como treinador principal para a época 94/95. E Campos continuaria a sua escalada numa gestão racional da sua carreira, passando pelo Deportivo de las Aves, regresso ao Esposende, Leça e Panafiel, até à época 2001/2002 quando Campos ingressa na 1ª Liga! No Gil Vicente, após seis ou sete jogos, temos Campos no lugar que merece: é um dos "mosqueteiros" da nova vaga de treinadores portugueses, figurando ao lado de José Mourinho, José Peseiro e Carlos Carvalhal. Surpreendentemente, é nesta fase que começo a sentir uma certa mágoa em relação ao meu amigo (porque não dizê-lo...) Campos. Quando a sua carreira adquire uma curva claramente ascendente, Campos parece esquecer-se da sua base filosófica, daquele curso de 93. Instado a opinar sobre o seu colega José Mourinho, Campos declara o seguinte: "É um relacionamento que tem poucos anos, mas de amizade, e que tem vindo a crescer. José Mourinho estudou em Lisboa, eu estudei no Porto. Conhecemo-nos nos encontros de treinadores e nos cursos e a admiração entre um e outro foi crescendo aos poucos". Enfim, Campos vendeu-se! Esqueceu-se de um dos pilares mais resistentes do nosso próprio sucesso: as nossas raizes! Pois só seremos bem sucedidos se não nos esquecermos daquilo que somos. E Campos pecou quando se quis juntar com um Mourinho qualquer... Perdeu não apenas capacidade como também a própria identidade. E viria a pagar bem caro por isso...
E ei-nos na mítica época 2002/2003. A época denominada de "Chernobyl Campos". Campos orientava o histórico Vitória sadino. Por pouco tempo, pois em breves jornadas ninguém melhor que Mister Campos terá ouvido o estalar do chicote... Mas certo é que cedo Campos se re-ergueu das cinzas e na segunda volta assume o comando técnico do Varzim, equipa que efectuara uma primeira volta brilhante, vindo mesmo disputar o quarto posto a "Felgueiras Ataturk" diante do Vitória de Guimarães. O desfecho dessa época é por todos sobejamente conhecido: desce Vitória de Setúbal e Varzim! E Campos não era afinal o tubarão argumentativo que eu conheci... Campos era agora o "Campas"! (Não perfilho a tese daqueles que defendem que Campos desceu não duas mas três equipas durante a época em análise. A tese é simples: na penúltima jornada já o Vitória de Setúbal tinha descido e a Académica impunha uma pesada derrota por o-3 no reduto do Varzim. O Varzim visitava o igualmente aflito Santa Clara na derradeira jornada e se vencesse mantinha-se, caso a Académica perdesse. O Santa Clara mantinha-se em caso de vitória. Resultado? 2-2!!! Desce Vit. Setúbal, Varzim e Santa Clara! Apesar do argumento de que "não há duas sem três", não posso aceitar que alguém possa ser tão macabro...)
E a marcha até ao inferno não ficaria por aqui. Imagine o estimado leitor que Campos rumaria na época seguinte até Barcelos. Da história contada, pouco se iria alterar: chicotada em Barcelos, ingressa no Beira-Mar na segunda volta. Beira-Mar desce e no último posto, o Gil safa-se à tangente. E não mais nós vimos Campos... Ou seja, Campos desabou, como um baralho de cartas...
Da minha varanda eu avisto este imenso campo e vejo como ele está verde... E todos os dias folheio os jornais e denoto como o Campos "está verde"... Campos, eu implorava o teu regresso! Eu recuava 13 anos para te poder ouvir! E faria isto tudo porque quero voltar a sorrir... Se o futebol é uma festa, então ele precisa de ti! Mas sei que não voltarás... Sei que tu sabes que perdeste o teu espaço... E sei que não voltarei a sorrir. A ti,
"CAMPOS, TU ANDARÁS SEMPRE SOZINHO!!!"
Aquele abraço,
PÉRICLES

5 comentários:

  1. O Campos é um vendido, juntou-se ao Mourinho em vez de seguir a sua filosofia harmonial do futebol ofensivo! Merece sem dúvida o Globo Ouro de Bu-bu-boneco! Boa Péricles

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  2. É com sentido pesar que vejo a ser invocado um nome que me habituei a admirar.....era do meu total desconhecimento que tu Pericles...meu rato de esgoto...privaste tão de perto com uma personagem que revolucionou a forma de vermos o fenomeno do futebol e com isso foste incapaz de compartilhar com todos nós os seus ensinamentos, imperdoavél. Houve outra coisa que me deixou preplexo na tua abordagem, ao atribuires uma expressão a Campos que foi auteticada por o unico comentador futebolistico existente entre nós, "..Camaleão tactico.." é da autoria de Luis Freitas Lobo, mas vale, um abraço e obrigado por compartilhares esta história que me comoveu.

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  3. Como ja referi, este senhor é mesmo um senhor nas suas cronicas.
    Mais uma que me colou a este pequeno ecra, esta de parabens

    Continue assim, que com certeza serei assiduo leitor deste vosso blog.Ce La Vie...

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  4. Quem é este Deus da arte de bem escrever...estou boquiaberto com tamanha sapiência! Continuarei a espreitar este cantinho e espero que o escritor mantenha este sublime nível!

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  5. assim sim.. vale a pena visitar isto

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