terça-feira, maio 16, 2006

Quem nao se lembra - o meu nome é Ze Piqueno Caralho


Realizador: Fernando Meirelles
Intérpretes: Alexandre Rodrigues, Leandro Firmino da Hora, Seu Jorge, Matheus Nachtergaele, Phellipe Haagensen,...

É uma ironia tipicamente brasileira que um bairro do Rio de Janeiro baptizado Cidade de Deus seja um dos maiores antros de actividades ligadas ao diabo, desde o tráfico de droga até ao negócio das armas ilegais. Se Deus existe e é mesmo brasileiro, não deve achar piada nenhuma. (Ou então compreende perfeitamente)

«A Cidade de Deus», o filme-sensação brasileiro de Fernando Meirelles e Kátia Lund , além de contar a génese daquela que é uma das mais perigosas favelas do Rio, contada através das vidas (algumas muito breves, porque interrompidas à bala) de um punhado dos seus moradores, é uma obra que vale por dez programas de televisão, 20 discursos de políticos e 30 teses sociológicas sobre a fatalidade da pobreza e as causas da criminalidade nos morros.

Quando a violência é uma linguagem e a sobrevivência uma palavra escrita com sangue, quando as crianças matam a rir e são estropiadas ao som de gargalhadas, a vida corre mais depressa do que uma galinha a fugir da navalha. Lá, na Cidade De Deus.
"Cidade De Deus" é o nome de um conjunto habitacional construído nos anos 60 que se veio a transformar numa enorme favela dos arredores do Rio de Janeiro e um centro dos negócios do tráfico de drogas no Brasil. O filme com o mesmo nome faz um retrato cru e fascinante do percurso dos meninos do morro, que se vieram a tornar em mega-traficantes da favela no início dos anos 80.
Pelos olhos de Buscapé (Alexandre Rodrigues), um jovem pobre, negro e sensível que cresce naquele universo de violência, vemos reunir os escombros de uma grande história real. Buscapé tem o sonho de vir a ser fotógrafo, e é a sua falta de coragem para entrar no crime que o vai colocar no centro de uma das maiores guerras de quadrilhas do Rio.

A cidade que cresce e cerca o bairro sem luz, sem escolas, sem saneamento, esquecida do governo... É aquele povo sem esperança e sem emprego que vai penetrando na criminalidade, pelo pequeno furto até chegar à maioridade: drogas e armas. O filme disseca a estrutura da violência, do tráfico e da corrupção em que se instala. Mas para lá disso, a sua história transmite-se nos pequenos detalhes, nos gestos de amizade, de corrupção, de culpa. O realismo da linguagem e das imagens é total. Este é um grande filme brasileiro e um grande filme em língua portuguesa.

"Cidade de Deus" é um filme super bem concebido, com grande emoção que deixa uma pessoa completamente fixada na história. É demonstrado neste filme a verdadeiro lema das favelas que é a violência, o irem gaiatos traficar, o matarem e sem dúvida a ambição desmedida (Zé piqueno - ao querer ser dono da favela). Por outro lado mostra a coragem e a amizade, como a personagem de "Buscapé" é o mundo do "Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come".

Poucas vezes um filme mostrou de forma tão simples e convincente -a história de Mané Galinha- como é que um homem honesto pode acabar por virar criminoso contra vontade, por ter de viver todos os dias num ambiente desfavorável à honestidade. Raras vezes um filme contou de maneira tão clara e verídica -a história de Buscapé- como é que um miúdo pode salvar-se de uma vida de crime quando tem o meio e as companhias e a estatística contra ele, por encontrar uma vocação, agarrar-se a ela e ter sido privilegiado à nascença com mais uns 10 por cento de sorte do que os seus amigos do bairro.

No entanto, o cineasta jamais permite que o estilo se torne mais importante do que o conteúdo, provando que a violência daquele mundo é ainda mais chocante do que poderíamos imaginar.
E que é pior: inevitável, já que, no calor da guerra, um tapa no rosto pode se transformar em motivo suficiente para se matar alguém. Há uma cena, em especial, que se torna particularmente aterrorizante ao ilustrar algo que é um fato: não há crianças em um campo de batalha; todos são soldados - e Zé Piqueno aplica esta regra com ferocidade quando um grupo de garotos assalta uma padaria protegida pelo tráfico.
Como no momento em que Zé Piqueno caminha ao lado do seu gang depois de espancar Mané Galinha e, de repente, pára e diz: 'Peraí! Por que não matei aquele filho da puta? Vamos voltar, galera!'.
Aliás, o grande trunfo de Cidade de Deus diz respeito justamente à veracidade que seu elenco confere à imensa galeria de personagens: protagonizado basicamente por actores amadores (habitantes da favela), o filme apresenta ao público uma série de rostos novos que certamente merecem todo o sucesso do mundo: Leandro Firmino da Hora, como Zé Piqueno, é absolutamente assustador; Alexandre Rodrigues, como Buscapé, confere um centro de sanidade
à história; e os irmãos Jonathan e Phellipe Haagensen cativam o espectador nos papéis de Cabeleira e Bené, respectivamente.

Divertido, inteligente, tenso e sempre interessante, Cidade de Deus não se furta de retratar a corrupção policial e marca pontos extras ao mostrar a hipocrisia daqueles que, ao mesmo tempo em que denunciam o terror do tráfico, alimentam a indústria ao comprar seu inocente "BASEADO". Fica a dica....

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